quarta-feira, 22 de julho de 2009

"E-mail" é correspondência?

Qual seria a sua resposta para a pergunta acima? Sim ou não? Pode parecer banal, mas o seu entendimento tem repercussões bem mais interessantes.
Comecemos pela negativa. Não se considerando o "e-mail" como correspondência, pode-se - a qualquer tempo e por qualquer pretexto (mesmo que inexista algum) - devassar o seu conteúdo sem maiores problemas. Tratar-se-ia, portanto, de mero ato de comunicação, como tantos outros que nos atingem todo dia.
Todavia, sendo o "e-mail" tido como correspondência, protegido estaria pela própria CFRB/88 (Art. 5º), a saber:
"XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;" (grifei)
Logo, gozaria de inegável inviolabilidade, consoante o disposto acima transcrito. As implicações são múltiplas, estando as mais crassas na esfera do Direito Processual. Até que ponto, por exemplo, restaria lícita uma prova produzida mediante apresentação em juízo de "e-mail" enviado pelo réu? Ou, por outro prisma, se cônjuge traído que lançasse mão de "e-mail" enviado pelo(a) amante em divórcio, estaria abrigado pelo ordenamento jurídico?
São interrogações pertinentes que merecem nossa atenção.
Cabe ainda mencionar, aproveitando a deixa, o que nos diz o inciso X da Carta Maior, in verbis:
"X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;" (grifei)
Tal corrente (que entende pela equiparação) é preponderante e parece-me mais razoável. Esta interpretação extensiva, em sede constitucional, não gera maiores discussões. Porém, a coisa fica menos clara quando trespassada para o âmbito criminal.
Como bem sabem os senhores, o art. 151 de nosso Código Penal prevê o crime de "violação de correspondência". Pergunto: cabe aplicar o dispositivo legal em comento a quem viola "e-mail"?
Por força do princípio da legalidade (em especial seu viés da taxatividade), entendo que não. Ademais, veda-se a analogia em mallam partem na seara criminal, não? Pois bem. Convenhamos que tal raciocínio cria uma incongruência, mas enfim...
Fica a problemática para se ponderar sobre. Ah, e no que tange às mensagens de textos via celular (SMS)? O mesmo se aplica a elas? Pensem nisso.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

A fila enquanto instituição jurídica.

Por fila entende-se o agrupamento linear de pessoas que se colocam umas atrás das outras, pela ordem cronológica de chegada, visando atingir determinado local (cf. Aurélio). Quanto a isso não há qualquer enigma.
Pergunto, porém, qual o fundamento jurídico que dá respaldo à fila? Trata-se de mero critério cronológico de chegada? Creio que não.
A meu ver, a fila traduz os mais primitivos instintos humanos, faz transparecer nosso lado menos civilizado. E é justamente esse homem das cavernas cosmopolita que produz um conflito - velado, é bom que se diga - no universo jurídico. Vejamos...
Já sabe-se que o Direito veda (em regra, claro) o exercício da violência particular, ou seja, aquela velha estória de "fazer justiça com as próprias mãos". A partir do estabelecimento do "ius puniendi" estatal como instituição dominante, incriminou-se tal conduta egoística e desarrazoada. Por consequência, a autotutela (ê reforma ortográfica!) foi para o limbo, não é? Ok, ok. Todos já lemos isso no livro da Adinha!
Eis que pergunto: há qualquer parâmetro legal para amparar quem encontra-se numa fila? A resposta só será positiva se você entender que "ordem de chegada" configura-se como escoro jurídico ou se pregar pela "obrigação natural". Claro que vários dispositivos privilegiam gestantes, idosos ou mães com crianças de colo, eu sei. Sequer vou abordar aqueles que limitam a 15 minutos de espera. Vamos imaginar, porém, uma "fila ideal", certo?
Repito a indagação de outro modo: o que REALMENTE lhe impede de simplesmente furar a fila?
Para mim a resposta é simples: o medo de apanhar. Há, destarte, prevalência da força física. O que faz com que esperemos horas e horas a fio, avançando lentamente rumo aos guichês, não é nada mais que o medo de sofrermos algum tipo de coação física. Isso é - de certa forma - bom, até porque sabemos que tem gente folgada pra caramba no mundo!
Alguns podem ponderar que o funcionário (do banco, por exemplo) recusar-se-ia a atender o furão, né? Mas com fundamento em quê? Ele pode simplesmente cruzar os braços e bater o pé? Será que tal comportamento não deriva também do medo de sofrer algum tipo de retaliação por parte dos lesados? Parece-me plausível.
Enfim, a fila gera competição (pela chegada, pela permanência, pela observação etc.) e esta competição gera instintos animalescos em nós. Quando cumulamos tal situação com o silêncio da lei temos um panorama primitivo de organização social onde impera a força em sua potencialidade máxima (um misto de "vis compulsiva" com "absoluta").

sábado, 18 de julho de 2009

"In Iuditio" (1)


Esta seção será destinada ao relato de causos, excentricidades e situações cômicas vividas por nós no meio jurídico

Eu, estagiário que sou, costumo acompanhar clientes do escritório do qual faço parte em audiências de conciliação e comparecimento em juizados. Via de regra, acompanho empresas e, em raras exceções, pessoas físicas.

OK. Acontece que, para quem não conhece, tais audiências e comparecimentos realizam-se sem a presença do Juiz e costumam ser bem informais. Em se tratando de empresas, salvo algumas exceções, até que impera um clima amistoso, já que a querela do indivíduo não é efetivamente contra nós (eu e o preposto), e sim, contra a empresa requerida.



Pois bem. Esta semana tive a oportunidade de acompanhar uma pessoa física. Ele (o cliente) estava nervoso e irritado com o sujeito que o demandou em juízo. Aliás, o Autor havia demando contra três Réus, num causo que envolvia a aquisição de uma alvará de um táxi lotação.

Ah, esqueça do clima amigável acima descrito. TENSO! Este era o clima que imperava no recinto no qual Autor e Réus (1 havia faltado, estando presentes apenas 2) se depararam face to face. O Autor era um cidadão com generosos 1,45m de altura. Meu cliente, um cidadão comum. Agora, o ARMÁRIO de uns 2m de altura, negro e com cara de mal que era o outro Réu, era um negócio pra assustar.

Em determinado momento o advogado do Autor, o pigmeu, e o advogado da Criatura monstruosa descrita saíram para atender seus respectivos celulares. Logo, ficamos na sala: Eu, o Cliente do Escritório, o Autor e o OUTRO RÉU – a criancinha de 2m.

De repente, o gigantesco Réu olha fixamente para aquele pequeno ser e, num ato de brutalidade velada, começa a estalar os dedos.

TRRROOOKK..... TRRROOOKK..... TRRROOOKK..... TRRROOOKK.....

Não se engane leitor. Cada dedo estalado produzia o som capaz de tremer as frágeis divisórias daquela sala de audiência.



O indivíduo, que já era pequeno, se encolheu ao ponto de sumir daquela sala. Eu segurei o riso e continuei com uma feição séria, até a volta dos advogados das partes. A audiência acabou e eu saí de lá com um sorriso maroto – sorriso de quem havia presenciado uma cena bem bizarra.


sexta-feira, 17 de julho de 2009

Paternidade presumida

O Senado aprovou, na última quarta-feira (15), projeto de lei que estabelece a presunção de paternidade por recusa do suposto pai em realizar o exame de DNA. Apresentado em 2001 pelo Deputado Federal Alberto Fraga, o aludido projeto só foi recebido seis anos depois na casa revisora. Aguarda-se somente a sanção presidencial da nova legislação.
Vejamos, pois, algumas anotações sobre a temática...
1) A filiação sob o prisma constitucional
A filiação, vínculo existente entre pais e filhos, pode ser de cunho biológico ou social. Na primeira categoria inserem-se aquelas provenientes de concepção (relação sexual, fertilização etc.), enquanto na segunda encontram-se as provenientes de adoção.
Nesse giro, veda-se - expressamente - no texto constitucional (art. 227, § 6º) qualquer discriminação entre filhos biológicos e adotivos, assegurando-se a eles igualdade de direitos perante seus genitores. O mesmo dispositivo garante paridade de tratamento para aqueles descendentes havidos fora da constância do casamento, ou seja, frutos de uma puladinha de cerca.
2) O reconhecimento de paternidade pelo Código Civil
O atual codice civile traz capítulo próprio sobre o tema em voga. Arrola-se lá duas hipóteses para tal ato, a saber: (i) reconhecimento voluntário; e (ii) reconhecimento não-voluntário (judicial). Ademais, conforme dicção do art. 1.607 do diploma legal em tela, pode dar-se tal reconhecimento pelos pais de modo conjunto ou separado.
O descendente advindo de relação adulterina ("a matre" ou "a patre", tanto faz) goza, portanto, da faculdade de acionar judicialmente seu suposto genitor para que se declare o vínculo biológico existente entre eles. Frise-se que tal ação de prova compete unicamente ao suposto filho (ação pessoal), sendo tal remédio jurídico imprescritível, cabendo aos herdeiros do vindicante manejar tal actio após sua morte.
3) A investigação de paternidade
Coube à Lei n. 8.560/92 regular - de modo superficial - a investigação de paternidade. Diz-se lá que tal ato é irrevogável, ou seja, uma vez realizado o reconhecimeto (voluntário, inclusive), não mais cabe arguir em sentido contrário.
Tal lei dispõe que todo registro de nascimento onde conste apenas a filiação materna deverá ser levado ao conhecimento do juiz competente. Munido desta e de outras informações é que se nomeia o suposto pai da criança, não importando se for casado.
Todavia, após a citação do mais novo papai, ou reconhece a paternidade ou nega ele veementemente tal vínculo de filiação. É o segundo caso que nos interessa!
Superada a "averiguação oficiosa" e havendo "elementos suficientes" para a suspeita, enviam aos autos ao Ministério Público. Está prestes a iniciar, pois, a Ação Investigatória de Paternidade.
É nesse procedimento judicial (mais especificamente na instrução probatória) que se procede o temido "exame de DNA".
4) A recusa e a presunção
Finalmente chegamos ao ponto mais intrigante da discussão. O imbróglio resume-se no embate entre o axioma jurídico do direito de não produzir provas contra si mesmo e o direito de (ter uma) paternidade. Questiona-se, portanto, se o suposto papai pode ter atribuída a si a paternidade de outrem pelo simples fato de recusar-se a fornecer elementos (sangue, raiz capilar etc.) para o exame. O projeto de lei aprovado anteontem pelo Senado prevê que sim.
Em verdade, parece-me razoável tal disposição. Há razão plausível para que suposto pai negue-se a fazer tal verificação em juízo? Restaria violada a sua intimidade? A sua constância matrimonial? Creio que não. No máximo atingiria-se a sua incolumidade física em razão da agulhadinha.
Mas um aspecto merece ponderação, o das mães que valem-se de tal expedimente de forma indevida, quase sempre em detrimento desse ou daquele homem. O projeto de lei silenciou-se quanto a isso, não abarcando penas para tal ato, o que foi observado pelo Senador Cristóvão Buarque.
5) Conclusão
Mostra-se acertada a previsão legal, coadunando com todos os ditames da CFRB/88. Garante-se o direito de ter um pai (e uma mãe), bem como os meios para que tal status seja resguardado. Utilizando-se de tal mecanismo com prudência (razoabilidade sempre!) e atentando para os indícios fáticos, mister que prospere tal disposição.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Loucuras na Terra de Macunaíma



Para quem não conhece e acha que Roraima é o fim do mundo, acertou.

Talvez não seja aquele fim do mundo ideal, como muitos já imaginaram - mato, maloca, índios pelados pelo meio da rua e anacondas convivendo pacificamente com os cidadãos. Não, não é assim.





Nasci aqui e vejo, embasbacado, o que sucede-se ao meu redor neste pequeno projeto de civilização. Absurdos que vão desde a formidável conexão à internet (esse é objeto de outro post) e telefonia, até coisas fúteis, como entrar na Venezuela - nosso vizinho, que nos cobra seguro, para lá entrarmos, e propina, por nada termos feito.

Comecemos com uma notícia aparentemente tosca, veiculada pelo Jornal Folha de Boa Vista:


"Avião atrasa e passageiro e preso pela PF" (disponível em www.folhabv.com.br/noticia.php?id66286)


Beleza, isso acontece sempre, diria alguém. Não, champs, não fale isso. Vejamos o caso de forma concreta: Em Boa Vista, temos DOIS voos em um dia. Isso mesmo, eu falei o numeral 2. Melhor: um desses voos é de madrugada, isto é, o avião da empresa não chega aqui antes de 00h30min.

O cidadão na sanha de chegar no seu destino em virtude de um compromisso, dispondo desta variedade de horários, resolve eleger horário matinal - e diga-se de passagem, com preço mais acessível -para tentar liquidar seus imbróglios em solo distante.

Nada obstante ao atraso de mais de duas horas para, enfim, adentrar na tão almejada aeronave, uma aeromoça, com uma saia coladinha, pede-lhe, gentilmente, para que se retire da aeronave, porque fora seu voo remarcado.

Imagine você o que se passa na cabeça desta criatura. Ainda bem que o Direito ampara-o: com uma prisão nos lombos - pela Polícia Federal, ainda por cima.



É uma pena. Óbvio que ele foi liberado e isso, sem sombra de dúvida, não vai dar em nada.

O povo que não acredita no Direito, pode até chiar. Mas, como eu disse, o processo gerado pelo crime de desobediência e injúria NÃO VAI DAR EM NADA. Porém, o constrangimento e a perturbação moral, DECERTO, não serão passaram despercebidos pelas prudentes - nem sempre - garras do Judiciário. Logo, uma gorda indenização lho espera.

Para os que leem, desde já, agradeço. Ficamos por muito inativos, porém, eu e meu parceiro Luiz decidimos tratar o blog com seriedade. Mostraremos um pouco das bizarrices da Terra do Nunca (Boa Vista), trazendo, também, matérias interessantes sobre o dia-a-dia jurídico e sua repercussão no meio social.

Pra esse irritado e, por algum tempo, preso cidadão recomendo:
Amigão, procure um bom advogado!




terça-feira, 21 de outubro de 2008

Boas vindas!

Senhores, é com muita satisfação que nós lhes apresentamos este humilde e despretensioso blog. Trata-se, inicialmente, de um projeto que visa a compreensão mais prática e simplista do Direito, tornando o universo jurídico habitável para todos. Porém, isto não acarretará em uma depreciação do conhecimento ou minimalização do saber, queremos apenas abordar as questões levantadas pela sociedade de forma objetiva, sempre sob o prisma do Direito.

Os que aqui escreverão são humanos, e portanto, cometer erros será inevitável. Somos meros estudantes de Direito, estamos na metade do curso. Logo, não nos cobre sapiência sobre tudo e todos, seria ridículo. Estamos cientes de nossas limitações e procederemos de forma congruente com elas.

O nome do blog reflete um pouco da despreocupação com as formalidades e ao mesmo tempo aponta para um “desendeusamento” do Direito, tornando-o hábil, sucinto e eficaz. Numa oportunidade futura, talvez até no próximo post, trataremos de explicar o que vem a ser um inimputável e as conseqüências desse estado para o Direito.

Por hora, basta-nos esta apresentação!

Enfim, sintam-se em casa, argumentem, perguntem, façam como bem entenderem. Só pedimos para que jamais abandonem o bom-senso e a prudência, uma vez que mesmo num ambiente virtual nosso caráter e fidúcia devem fazer-se presentes.

Aproveitem ao máximo esta experiência. Para nós será um prazer.